BRASIL COLÔNIA|
(1500 - 1822)
Os primeiros portugueses que vieram para o Brasil eram homens. Depois de alguns anos, a Coroa portuguesa enviou mulheres a
fim de dar início à colonização, mas, ainda assim, faltavam mulheres brancas no Brasil no início do período, fator que
contribuiu para a miscigenação de brancos com negras e indígenas - nos primeiros e pequenos povoados que se formavam, havia
tanto mulheres portuguesas quanto indígenas , africanas e mestiças .
Representação europeia dos indígenas brasileiros, incluída no Atlas Miller de 1519.
A sociedade colonizadora como um todo foi explicitamente dividida por etnia, o
que também se aplica às mulheres . Enquanto as negras eram escravizadas e vistas
como “objetos” de propriedade dos senhores de engenho, as portuguesas tiveram
sua participação restrita ao cuidado com as crianças e aos trabalhos domésticos.
Nesse contexto, a alfabetização foi fundamental para ampliar a atuação das
mulheres na sociedade.
Contudo, segundo Mary Del Priore (1993, p.46), mulheres de diferentes raças e classes
econômicas possuíam uma rede de solidariedade entre si, principalmente no quesito
maternidade. Era comum que se ajudassem com os cuidados familiares e a criação dos filhos,
levando em conta a frequência com que eram abandonadas pelos companheiros, “fazendo
com que o amor materno fosse além da questão biológica e criando uma rede de apoio e
auxílio não vista em outras instâncias”.
Mulheres Indígenas
Os povos indígenas que habitavam o Brasil no período colonial possuíam costumes muito
diferentes entre si, o que se reflete nos papéis desempenhados pelas mulheres . Algumas eram
escravas de seus maridos; outras, companheiras, tratadas como iguais; e ainda havia aquelas
que chefiavam grupos. Em algumas tribos, as mulheres tinham direito de posse de moradias e
áreas de cultivo. Em outras, eram somente responsáveis pela plantação e colheita.
Família de chefe camacã se preparando para um festejo, 1820-1830. Obra de Jean-Baptiste Debret.
Índia Tupi e seu filho, 1641. Obra de Albert Eckhout.
Índia bororo, 1946. Fotógrafo desconhecido.
“ Deixemos de fora a cultura anterior ao descobrimento, de tal forma esmagada que se torna extremamente difícil seu resgate.” (Breve História do Feminismo no Brasil) .
A escassa documentação do período colonial referente a cultura indígena é rasa e pouco precisa, uma vez que esta foi descrita a partir da visão dos colonizadores europeus. Duramente reprimidas e apagadas, as línguas nativas foram proibidas, bem como as tradições típicas dos povos que aqui viviam.
Os reflexos desta anulação são nítidos na sociedade atual, visto que a grande maioria dos
brasileiros não têm conhecimento sobre estas culturas, mesmo que nossas origens estejam
diretamente relacionadas aos povos indígenas que aqui viviam.
“ [...] o indígena, que via na mulher uma companheira ,
não via razão para as diferenças de oportunidades educacionais. Não viam o “perigo” que pudesse representar o fato de suas mulheres
aprenderem a ler e a escrever, como os brancos afirmavam. Condenar ao analfabetismo e à ignorância o sexo feminino
lhes parecia uma ideia absurda.” (A Educação das Mulheres na Colônia)
Mulheres Pretas e Mestiças
As negras , quando na lavoura, executavam as mesmas tarefas dos homens. O trabalho era
de tal forma árduo que a média de vida de um homem escravizado nas plantações ou minas era estimada
entre sete e dez anos. Já no meio doméstico, além de trabalharem na casa como tal, eram usadas como instrumento de prazer sexual de seu senhor, sendo inclusive “alugadas” a outros ricos.
Em sua condição de escravizada , também lhe era atribuída a função de reproduzir a força de trabalho. Muitas resistiram, praticando o aborto clandestino como forma de impedir a perpetuação do regime de escravidão.
Mulheres negras do Brasil colonial em dia de festa, Século XVIII. Obra de Carlos Julião.
Mulher africana bantu com seu filho no Recife, século XVII. Obra de Albert Eckhout.
Muitas das negras escravizadas aceitavam ser concubinas para conquistar alforria e melhores condições de vida, além da possibilidade de ter um filho de pele clara, o que muitas vezes livrava a criança da escravidão. Porém, negras sustentadas por homens ricos sofriam intensa discriminação,
consideradas “promíscuas” e “desvirtuadas” .
Nos quilombos, forma principal de resistência negra , as
mulheres eram minoria, sobretudo devido ao tráfico
escravo que priorizava homens. Isso trouxe dificuldades
para a proposta organizativa dos negros e uma das
soluções foi a formação da família poliândrica, em que
uma mulher tinha até cinco maridos.
Nos séculos XVII e XVIII, organizaram-se as Bandeiras, expedições que percorriam os sertões
por meses em busca de metais, pedras preciosas e captura de indígenas . Somente concubinas
e mestiças atuaram nas bandeiras, levadas para “ servir os maridos na cama e na mesa” (Breve
História do Feminismo no Brasil) .
Jovem mulata recebendo carta de amor de um homem branco, 1775. Obra de Carlos Julião.
Vênus negras do Rio de Janeiro (Debret).
Mulheres negras vendedoras de rua, Rio de Janeiro, Brazil, século XVIII. Obra de Carlos Julião.
Mulheres Brancas
O papel que cabia a mulher da classe dominante era, obrigatoriamente, o de esposa e mãe . Suas únicas funções seriam gerar descendentes, realizar os cuidados do lar e satisfazer os maridos.
“Jantar brasileiro”, 1820. Obra de Jean-Baptiste Debret.
A valorização do casamento era forte na era colonial, instituindo às mulheres um padrão social de
“boa esposa”. O noivo era, tradicionalmente, escolhido pelo pai, independente da vontade da filha. A maioria das jovens de elite
casava-se à força, por vezes com senhores de terra muito mais velhos.
A realização de matrimônios formais, porém, era elitizada, devido aos altos custos e burocracias
impostas pela Igreja. Assim, popularizaram-se as uniões informais, chamadas “concubinatos”.
Filhos concebidos fora do casamento não tinham nenhum direito. O pai não assumia qualquer
responsabilidade por frutos de relacionamentos extraconjugais - quem era punida era a mãe, tendo de sustentar sozinha o
filho “bastardo”.
Moça chora na despedida de Soldado do regimento de infantaria de Moura, 1767. Obra de Carlos Julião.
Pessoas do Brasil colonial, século XVIII. Obra de Carlos Julião.
Traje das mulheres do Brasil colonial, século XVIII. Obra de Carlos Julião.
A educação das meninas , que ficava a cargo da Igreja e dos conventos, era extremamente
rasa, apenas para reproduzir os costumes da sociedade colonial. Era voltada a atividades do lar
como costura e cozinha em vez de instrução propriamente dita: as jovens eram ensinadas a
lavar, coser e fazer renda, com o propósito de se tornarem “boas esposas” .
Caso a menina, quando jovem, demonstrasse sinais de rebeldia ou mau comportamento, era encaminhada diretamente para internatos e conventos. Essa era também uma das poucas alternativas para as mulheres brancas quando não conseguiam casamento.
Mulheres que se destacaram
Imagem Ilutrativa: Negra da Bahia, 1885. Foto de Marc Ferrez.
Aqualtune
(?-1650)
Filha do rei do Congo na África, comandou 10 mil
guerreiros para defender seu reino por volta de 1665.. Foi vendida para o Brasil e escravizada, vivendo em Pernambuco antes de fugir para os Palmares, onde foi uma das fundadoras do famoso Quilombo dos Palmares. É avó de Zumbi dos Palmares.
Pintura ilustrativa de Bárbara de Alencar, 2009. Obra de Ernane Pereira. Não se tem registro de sua face, restando o conhecimento de sua pele clara e porte alto.
Bárbara de Alencar
(1760-1832)
Nascida em Pernambuco, foi a primeira prisioneira
política do país. Participou da liderança da Revolução Pernambucana e,
acusada de “traição ao governo”, foi presa em 1817, no Ceará. Libertada
depois de três anos, participou ainda de um segundo levante, a Confederação
do Equador.
Bárbara Heliodora, em óleo sobre tela encontrado nos porões da antiga Fazenda Boa Vista em São Gonçalo do Sapucaí.
Bárbara Heliodora
(1759-1819)
Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira recebeu o título de “Heroína da Inconfidência” devido a sua atuação na Inconfidência Mineira. Inspiração para diversos poemas do marido, Alvarenga Peixoto, também possui reduzida produção literária própria, cuja autoria ainda é discutida por alguns historiadores. Após a prisão e exílio do marido, um dos principais líderes do movimento, teve seus bens parcialmente confiscados, tornando-se responsável pela criação dos filhos sozinha. Passou por um período de depressão profunda após a morte de sua filha primogênita, Maria Efigênia, que veio a falecer em um grave acidente de cavalo com apenas 13 anos.
Chica da Silva representada no cinema e televisão. Xica da Silva, 1976. Interpretada por Zezé Motta.
Chica da Silva
(1732-1796)
Francisca da Silva de Oliveira foi escravizada alforriada alforriada que se tornou uma das mulheres mais ricas da colônia por meio do relacionamento com um homem branco. O casal teve um total de treze filhos, todos assumidos pelo pai. A riqueza e a influência de seu relacionamento garantiu-lhe conforto, status e prestígio em uma sociedade escravista e racista, mas nunca foi totalmente aceita socialmente na região.
Ilustração retrata a possível imagem da indígena catequisada Clara Camarão.
Clara Camarão
(?)
Indígena potiguara que liderou um
grupo de mulheres indígenas na luta contra as invasões
holandesas em meados do século XVII, na região do Pernambuco.
Seu nome está inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria,
que homenageia personagens que tiveram papel fundamental na construção do Brasil.
Imagem Ilustrativa: não se tem registros concretos sobre a aparência de Dandara.
Dandara
(?-1694)
Guerreira negra, rainha do Quilombo dos Palmares e
companheira de Zumbi. Planejava ações de combate, lutava capoeira e
manuseava armas, liderando seus companheiros na luta pela liberdade.
Após a derrota, preferiu suicidar-se a voltar à vida de escrava.
★ O Quilombo dos Palmares foi fundado por volta do final do século XVI
por africanos e afro-brasileiros escravizados que haviam fugido dos engenhos nas redondezas, o maior centro
de resistência negra a escravidão entre 1597 e 1695. Em seu auge, teve entre
30 mil e 50 mil habitantes.
Obra de Antonio Fontoura reunindo os principais documentos sobre o processo de Filipa de Sousa
Felipa de Souza
(1556 - 1600)
Nascida em Portugal, foi acusada de “práticas nefandas” ou “sodomia”
durante a visitação do Santo Ofício na Bahia, por volta do ano de 1591, por manter
relações com outras mulheres. Seu julgamento é considerado o primeiro caso de perseguição
sexual e homofobia no Brasil. Confessou ter se relacionado com pelo menos seis mulheres,
afirmando que “sua afeição pelo gênero feminino era natural e sem pecado”. Foi condenada
ao açoite público e trancafiada nos calabouços da Casa da Inquisição por alguns dias, sendo
ainda obrigada a pagar as custas processuais e expulsa da capitania em 1592. Em 1994, seu nome
foi dado a um prêmio mundial, concedido pela Comissão Internacional de Direitos Humanos de Gays e Lésbicas.
Em 14 de novembro de 2001, O correio brasileiro emite um selo em homenagem a Madalena Caramuru.
Madalena Caramuru
(?)
Considerada a primeira brasileira alfabetizada,
era filha de um português com uma indígena. Depois de instruída, se
manifestou em defesa do povo, escrevendo uma carta para o padre Manuel
da Nóbrega em 1561 exigindo o fim dos maus-tratos às crianças indígenas e
o início da educação feminina.
Retrato póstumo de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, 1920. Obra de Domenico Failutti.
Maria Quitéria
(1792-1853)
A chamada ”Mulan brasileira”, fugiu de casa,
vestiu-se de homem e alistou-se para combater as tropas portuguesas
na Guerra da Independência (1822-1824). Sua valentia nas batalhas que
se seguiram levou-a a atingir o cargo de primeiro-cadete e quando os
portugueses foram derrotados, em 1823, recebeu do próprio D. Pedro I a
condecoração de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro.